terça-feira, 14 de agosto de 2012

O escritor costumava ficar na varanda do seu casarão contemplando o sorriso de cada estrela e a sinuosa lua enlouquecida para dar um banho de luz no primeiro casal romântico que atravessasse a ladeira. Há ainda casais deste tipo? Sobraram alguns em alguma cristaleira? Estava ali naquele canto bem escuro, onde nenhuma criatura pudesse percebê-lo. Meditava em silêncio. Seu pensamento tomou uma velocidade acima da luz. Quando olhou para trás viu a explosão do big bang lançando corpúsculos no espaço. Quem disse que tudo começou aí? Se explodiu havia matéria. Se mudou de lugar havia espaço. Se houve explosão havia força. Presume-se um tempo antes da explosão e outro após, havia tempo. Logo não foi início de nada. Um outro estágio apenas de matéria, força, tempo e espaço. Diminuiu a velocidade de seu pensamento, vendo-se em pleno século dezoito. Os padres começaram a subir a grande escada em forma de "esse", apressados para mais uma reunião, conforme as segundas, impreterivelmente. Todos estavam na pequena sala com seus lampiões acesos, cujas labaredas lambiam o teto e no seu vai e vem no ar, retorciam as figuras dos iluministas. A reunião da Congregação do Oratório começava por volta das oito horas da noite. Sobre uma estante reluziam expostos os livros principais de suas ideias: "Cartas Persas", "O Espírito das Leis", de Montesquieu; "Discurso sobre a origem e o fundamento das desigualdades entre os homens", "Contrato Social", de Rousseau; "Cartas Inglesas", de Voltaire; "Enciclopedia", de D'Alembert e Diderot, mais alguns livros de Spinoza, Locke e obras completas de Isaac Newton. Os padres oratorianos perceberam a entrada do estranho e exclamaram: "Chegou o famoso ator, que tanto esperávamos. Ele nos vai ajudar a expandir nossas ideias. Vamos fazer com ele o mesmo que Francis Bacon fez com Shakespeare!" Um outro mais gorduchinho completou: "Isto mesmo, uma grande saída baconiana. Colocar sobre a responsabilidade de um ator popular toda uma obra que não poderia ser assumida diretamente! Bom ator, ficaria com a fama de escritor, sem ter escrito uma linha somente" Ator e escritor, sendo que suas obras eram de outro pensador. Ele as assumiria como sua, pois o mais importante era o objetivo que havia por trás delas. Igualdade, liberdade, fraternidade, divisão de rendas, contrato social, tolerância religiosa, democracia, divisão dos tres poderes! Que diferença havia entre o sistema monárquico e as democracias modernas? O atacado continuava com as mesmas injustiças do varejo! O que realmente manda é o dinheiro, o poder, a influência no sistema. Aplicações que voam em toques de midas no teclado, com uma sinfonia faminta. A escravidão continua instituida, porém mais disfarçada do que nunca. Há um sorriso fulminante por trás de um deboche social. Vários monarcas assentados garbosamente por trás de ideias que no passado eram puras e divinas. Agora, com os poderes nas mãos esbanjam riquezas e direitos, enquanto os povos vivem como robôs sem condições mínimas de sobrevivência. O discurso burguês embriaga as massas exploradas. Cacos de homens andando pelas ruas apocalípticas das cidades do mundo. A razão tornou-se uma divindade implacante. A natureza separou-se do homem, como uma coisa. Os cirurgiões monetários retalham até mesmo a profundeza da terra, para arrancar-lhe a alma pelas entranhas. As fábricas de armas se complementam com as fábricas de guerra. Os meios de informação em conjunto com uma grande soma da mídia se ocupam de marginalizar e alienar os conglomerados humanos. Crianças que disputam pedaços de lixos, nos grandes lixões com os urubús, ratos e animais de rapina. A Congregação do Oratório faz uma oração final após a reunião e cada vulto silencioso desaparece ladeira abaixo. O escritor atravessa a mesma sala e dirige-se para o seu camarim. Agora, diante do espelho, maquia-se. Um som de buzina o avisa lá de fora, que ele já está um pouco atrasado para o espetáculo.

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